Abelhas no(s) telhado(s)
Nicolau Ribeiro
A notícia espalhou-se, célere: o fogo estava a consumir a catedral de Notre Dame, construída no século XII, e, provavelmente, o mais icónico e visitado monumento de Paris. A par do Louvre e da Torre Eiffel.
Nas televisões, especialistas em património falavam de perdas irreparáveis e anteviam uma tragédia. À distância, também o apicultor Nicolas Géant receava o pior. Nas imagens que lhe chegavam, ele tentava, por entre o fumo, perscrutar o telhado da sacristia. Em vão.
O incêndio demorou longas horas e, no dia seguinte (19 de abril de 2019), com os bombeiros ainda ocupados no rescaldo, Géant teve acesso a uma fotografia aérea que o encheu de otimismo: as chamas tinham poupado as suas quatro colmeias. Das abelhas não sabia o que lhes tinha acontecido, mas um telefonema do porta-voz da Notre Dame tranquilizou-o: havia movimento junto às colmeias.
Mais tarde, Géant confirmou o milagre. As suas 200 mil abelhas estavam ali, assustadas, mas, aparentemente, sem terem sido afetadas pelo fumo. Valeu-lhes o facto de o telhado da sacristia ficar 30 metros abaixo do local onde deflagrou o incêndio.
Abelhas de Amadeo
O Convento de S. Gonçalo não tem, provavelmente, notoriedade igual à de Notre Dame. Porém, a sua igreja recebe, anualmente, milhares de devotos e visitantes e a identidade dos amarantinos incorpora todos os valores do seu santo padroeiro.
Hoje, o Convento já não alberga frades dominicanos, e nas suas instalações nasceu e cresceu, paredes meias com a Igreja, o Museu Amadeo de Souza-Cardoso (MMA SC).
No telhado do MMASC não há colmeias em permanência. Por razões de segurança, não fosse alguma abelha, na sua procura por pólen, picar um visitante. Mas, sazonalmente, na primavera, o seu telhado acolhe enxames que ali procuram guarida. Uma a uma, as abelhas instalam-se debaixo da subtelha e só de lá saem para trabalhar.
Por que vão para ali é um mistério. Mas não custa admitir que o façam levadas pelas cores de Amadeo, pela musicalidade das suas obras, pela natureza que o artista pintou e que elas – imagina-se – espreitam do telhado.
“Dezanove quilos de mel foi quanto produziram, no total, as “Abelhas de Amadeo”. Longe, é certo, dos 25 quilos por colmeia de Notre Dame, mas uma boa produção em face das circunstâncias (…).”
Tempos houve em que as suas “visitas” ao telhado do MMASC eram mal vistas e a sua expulsão encarada como a única saída para o “problema” que representavam. Na primavera de 2019, porém, criou-se uma alternativa. Com a ajuda de um experimentado apicultor de Amarante, Luciano Gonçalves, colocaram-se ali três colmeias, num convite a que deixassem a incómoda posição por debaixo da subtelha e adotassem uma nova morada, onde, de resto, melhor poderiam produzir mel.
Com a concordância das rainhas e a proteção das operárias, fez-se a transferência e, quando a última abelha entrou, transportaram-se as colmeias para um apiário no campo.
Dezanove quilos de mel foi quanto produziram, no total, as “Abelhas de Amadeo”. Longe, é certo, dos 25 quilos por colmeia de Notre Dame, mas uma boa produção em face das circunstâncias. Em ambos os casos, porém, com o salvamento dos enxames de Amarante e Paris ganharam a natureza e a biodiversidade. Ganhámos todos um pouco. E, no nosso caso, é também uma vitória termos passado a olhar de forma diferente para “abelhas intrusas”. E como deve ser bom o seu mel!
Em cada primavera, teremos em conta eventual visita de outras “abelhas de Amadeo” ao telhado do MMASC. Estaremos à sua espera.
Nota: Amarante é cidade BeePath. O BeePath, criado no âmbito do Programa URBACT promovido pela União Europeia, é um projeto de apicultura urbana sustentável, com o objetivo de criar cidades mais verdes, preservando os recursos naturais e a biodiversidade.