A minha Amarante

(Amarante é uma ponte de chegada, um sítio para estar, para voltar e ficar. Uma terra para recordar ou descobrir. Um local de encontros. A viver em Lisboa, uma vez por mês Maria João Vieira Pinto encontra-se com Amarante. Com os seus e com os lugares que lhe povoam o imaginário de menina. Com todo o seu percurso profissional feito na área do jornalismo, Maria João Vieira Pinto dirige, atualmente, as revistas Marketeer e Executive Digest).


Maria João Vieira Pinto

Há a Amarante da minha infância e a Amarante de hoje. Há marcas, espaços aromas e sabores que me marcaram e continuam lá. Outros que ficaram, pelo tempo. E há os novos, que chegaram. É (também) por isso que, sempre que chego a Amarante, me continuo a sentir regressada a casa. Pelos rituais a cumprir e que ainda me preenchem a vida.

Quando era criança, sábado de manhã era de ida obrigatória ao Mercado. Ainda o é. Para comprar o pão da Pardal – que me faz torradas inconfundíveis -, recarregar de frutas e legumes, com sabor, e matar saudades do biscoito da Teixeira. Já de sacos cheios, a paragem seguinte é no Café-Bar, bem em frente ao Convento e com a Casa da Calçada a olhar para nós.

Hoje um ponto mais turístico, continua contudo a saber bem pousar por lá, assistir ao vai-vém de quem passa, reencontrar quem já fez parte da nossa vida diária.

Almoço é de família. Havia o Príncipe, bem no Largo do Arquinho, que nos mimava com uns filetes de peixe incríveis e um arroz solto que se repetia. Hoje há outras opções mas, sempre, a garantia de um bom prato à moda do Norte, como o cabrito.

Voltando a subir a rua, e percorrendo a margem esquerda do Tâmega, ainda gosto de passar pelo Parque Florestal onde jogávamos ténis ou dávamos folhas às gazelas, fazíamos corridas e nos sentávamos a ver o rio. O ambiente apetece a estar, ajuda a refazer do almoço e a preparar para o lanche. Que, nesta terra, não se pode perder. Seja na Confeitaria da Ponte, bem em cima da mesma, e onde se encontram os melhores doces conventuais de Amarante, ou na icónica Lailai, mais abaixo, com varanda sobre o rio e reaberta em finais do ano passado.

Deixe-se ficar e tentar por uma brisa ou um papo de anjo. A vontade de querer voltar vai ficar mais apurada ainda!

O que é que também não gosto de – nem se pode – perder em Amarante? Uma passagem pelo Museu Amadeo de Souza Cardoso. Para além de ter o espólio mais rico daquele que foi dos maiores pintores portugueses de todos os tempos, garante exposições que merecem a visita, sempre.

Com as horas a passar, é momento de nos organizarmos para a refeição que fecha o dia. Claro que não há como a casa dos pais e a comida da mãe, mas, hoje, as sugestões em Amarante fazem-nos apetecer, por vezes, sair de casa. Seja para nos perdermos nas estrelas que Tiago Bonito, o chef Michelin, nos serve à mesa da Casa da Calçada ou num estaladiço leitão com batatas a condizer (em Aboim, aldeia a 10 minutos do centro).

Se for Primavera ou Verão, não se preocupe que há como “desmoer” porque o centro anima e há sempre festas ou concertos a acontecer. Melhor que isto? Há pouco!

Os sítios

Mercado Municipal de Amarante

O edifício do Mercado Municipal de Amarante, na margem direita do Tâmega, foi projetado pelo arquiteto Januário Godinho, em 1958, e acabado de construir no início da década de 1960. Hoje, é um imóvel classificado, sendo ali que todas as quartas e sábados se comercializam legumes, pão, fruta, peixe, carne e se montam tendas para a venda de roupa e calçado.

Padaria Pardal

A Padaria Pardal é uma das muitas que existem em Amarante, todas elas a produzirem pão de excelente qualidade. O de Padronelo, vulgarmente conhecido como “trigo de cantos”, faz parte da idiossincrasia de Amarante e era o mais apreciado por Agustina Bessa Luís, que dele se “abastecia” quando visitava a cidade ou aqui parava, a caminho do Douro.

Biscoito da Teixeira

O biscoito da Teixeira é um dos ícones da doçaria tradicional da região, presente em todas as romarias do Norte de Portugal. O nome advém-lhe de ser originário da freguesia de Teixeira, em Baião. Existem o tradicional e o “fino”, sendo que este leva pouca água e tem uma cozedura diferente. Os dois, porém, tem os mesmos ingredientes: açúcar amarelo, farinha, ovos, sal, limão, fermento.

Café-Bar (S. Gonçalo)

De portas abertas desde os anos trinta do século XX, fica na Praça da República (mais conhecida como Largo de S. Gonçalo), requalificada no inicio dos anos 2000 pelo arquiteto Fernando Távora. Voltado para o Convento, o Café-Bar integra a “Rota dos Cafés com História” (é o único da região do Tâmega e Sousa), acolhendo, ao longo dos tempos, figuras como Teixeira de Pascoaes (que, hoje, tem ali o seu espaço), Mário Cesariny ou Cruzeiro Seixas. A fadista Ana Moura tem-no como uma referência fundamental nas suas deslocações a Amarante.

Casa da Calçada

Antiga residência de António do Lago Cerqueira e datada do século XVI, a Casa da Calçada é, hoje, um luxuoso hotel de charme, com todos os requisitos Relais & Chateaux. O seu restaurante, “Largo do Paço”, liderado por Tiago Bonito, é detentor de uma estrela Michelin.

Confeitaria da Ponte

Situada no topo da rua 31 de janeiro, com vistas para o Convento de S. Gonçalo e esplanada sobre o rio Tâmega, a Confeitaria da Ponte faz doces regionais (conventuais) desde 1930. Numa das suas paredes, um painel de azulejos ostenta esta quadra: S. Gonçalo d’Amarante/Mora mesmo ali defronte./Quando quer um bom docinho/Manda-o buscar à “Ponte”.

Confeitaria Lailai

Paredes meias com o Restaurante Zé da Calçada, a Confeitaria Lailai é, de facto, a mais icónica, de todas as que se dedicam à doçaria conventual. Tem o nome da sua fundadora, D. Lailai, e, após o seu falecimento, esteve fechada durante 20 anos. Reabriu em julho de 2018, igual na decoração e no mobiliário, mas também na qualidade do serviço. Mantém-se fiel aos doces conventuais e aos fios d’ovos e até a celebrada torta de fruta regressou com o sabor de outros tempos. Teixeira de Pascoaes foi um dos seus mais notáveis clientes, mas também Amélia Rey Colaço, Lago Cerqueira ou Manuel Luís Goucha se deixaram seduzir pelos doces ali produzidos.

Museu Amadeo de Sousa-Cardozo (MMASC)

De Amadeo de Souza-Cardoso já se disse ser “o segredo mais bem guardado da arte moderna”. Em Amarante, o Museu que tem o seu nome mostra também parte da sua obra, que é, de resto, a mais significativa da coleção permanente. Para os amantes do modernismo, o MMASC, instalado no antigo Convento de S. Gonçalo, é de visita obrigatória, mas a sua importância advém-lhe, também, da arquitetura, por via, sobretudo, da muito apreciada intervenção ali produzida pelo arquiteto Alcino Soutinho.

Restaurante Filhos de Moura

O leitão estaladiço de que fala Maria João Vieira Pinto serve-se no Restaurante Filhos de Moura, situado em Aboim, a 10 minutos da cidade de Amarante. É, provavelmente, um dos melhores do país, tendo a particularidade de ser leitão de porco bísaro, uma raça autóctone criada ao ar livre, em regime de “camping”, e da qual se extrai uma carne com mais massa muscular e menos gordura, ótima também para fumeiro.

Artigo originalmente publicado na MADE 1, janeiro de 2020

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