A força do mel
Nicolau Ribeiro
“Broa de mel” é o nome de um duo musical português que, nas décadas de 1980 e 1990, alcançou assinalável notoriedade, interpretando canções de amor. Temas que falavam de paixão, de ardor, de união, de romance, de brisas, de carícias… E de “luas de mel”. Temas “doces”, que remetem para felicidade, bem-estar, harmonia, leveza, saúde, atributos facilmente associados ao mel.
O nome do grupo – que conta no seu currículo com várias participações no Festival RTP da Canção, que dá acesso ao Festival da Eurovisão – tinha, pois, tudo a ver com a temática das suas canções, sendo também “broa de mel” um conhecido doce português, fabricado em muitas padarias e pastelarias.
A doçaria é, de resto, uma das áreas em que o mel é muito utilizado, num receituário que inclui “bolo de gengibre e mel”, “Bolo de mel e canela”, “pão de mel com doce de ovos”, “bolo de azeite e mel com canela e nozes”, “bolo de mel algarvio”, “bolo de mel e iogurte”, “bolo de mel e passas” ou “rabanadas com mel”.
Refeições alternativas e saudáveis, em que o mel está presente, entram na dieta alimentar de muitos cidadãos, como A.J. Miranda, 74 anos, que, “desde que se conhece”, faz os seus pequenos almoços de um prato de sopa e um pão com mel, atribuindo uma boa parte do seu equilíbrio físico e bem-estar ao mel que continua a consumir diariamente, que, diz, lhe fornece as resistências de que precisa para enfrentar as gripes ou a rouquidão e a energia com que combate as cefaleias e as dores de cabeça.
Nascido e crescido na serra do Marão, e em tempos dono de apiários que lhe rendiam quatro toneladas de mel de urze por ano, A.J. Miranda produz, hoje, segundo diz, quase só para consumo próprio, mas continua a manter o ritual de, nos seus aniversários, presentear os amigos com um frasco de litro de mel, certo de que oferece uma prenda valorosa, ao mesmo tempo que incentiva o consumo.
Com inúmeras utilizações, que vão da gastronomia à cosmética, usado em chás ou presente em medicamentos naturais, o mel é um produto único, com procura crescente por parte dos consumidores e que tende a ter algum peso nas economias dos locais onde é produzido.
A paixão (rentável) pelas abelhas
Lidar com abelhas, produzir mel, mais que um negócio, é uma paixão. Que o diga A. Morais, 61 anos, que na primavera de 1985 viu entrar-lhe pela janela de casa um enxame que se foi esconder entre as fundações da habitação e a madeira do soalho. Sem saber o que fazer, pediu ajuda a um amigo, apicultor, que conseguiu transferir as abelhas para uma colmeia.
Fascinado com o que viu, decidiu aprender sobre apicultura e, entusiasmado, iniciou a atividade, tendo conseguido, num curto espaço de tempo, juntar 40 colmeias. Algumas vicissitudes obrigaram-no, porém, a parar, regressando ao ofício mais tarde, quando julgou ter reunidas as condições para fazer um trabalho profissional e de continuidade.
Antes, consciente de que necessitava melhorar os seus conhecimentos na área, procurou-os na UTAD (Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro), partindo, de seguida, com mais segurança, para nova “aventura” e com outra ambição, como reconhece, chegando facilmente às 200 colmeias, distribuídas por nove apiários, e às três toneladas de mel, para o qual teve que procurar mercado.
A loja da Dólmen (Cooperativa para o Desenvolvimento Local e Regional), em Amarante, viria a revelar-se como um bom ponto de venda e promoção, tendo-se aventurado, numa segunda fase, na participação em feiras, como a do Mel, em Aboadela, a Feira da Duquesa, em Guimarães, a do hipermercado Continente, a Feira Nacional de Mel ou a Feira de Achéres, em França, onde existe uma grande comunidade portuguesa.
Em breve, toda a produção de A. Morais tinha escoamento, tendo passado também a exportar para o Reino Unido, onde mantém negócio com um distribuidor local. Com o aumento da procura, passou ele próprio a comprar mel a outros produtores de todo o país, a quem, segundo diz, adquire “méis monoflorais, desde o rosmaninho, laranjeira, castanheiro ou outros que o mercado solicita”. E instalou, em Vila Meã, uma melaria, licenciada pela Direção Regional de Agricultura, para processamento e embalamento de mel.
A bebida dos Deuses
T. Morais, 30 anos, é bombeiro profissional, dedicando, porém, todo o tempo que pode à materialização da sua grande paixão, que é a produção de hidromel. Admirador confesso das culturas nórdicas, começou por produzi-lo por brincadeira, deu-o a provar a alguns amigos que, agradados, o incentivaram a fazer a “bebida dos deuses” numa escala que lhes permitisse presentear conhecidos e familiares em alturas festivas.
Assim fez, e, em breve, eram muitos os que queriam saber onde se vendia “aquela bebida” que, todavia, tinha uma produção limitada. Nesta curiosidade e procura, viu T. Morais uma oportunidade de negócio, pelo que decidiu criar uma empresa a que deu o nome de Runas Hidromel, que instalou no Instituto Empresarial do Tâmega (IET).
“O Runas Hidromel é um produto cem por cento nacional, utiliza mel de produtores portugueses, fundamentalmente da zona norte, garantindo, assim, a sua qualidade”, garante.
Sobre a bebida Tiago diz ser o hidromel, “um produto feito com água, mel, e leveduras, com um tempo médio de fermentação de 1 a 3 meses, para atingir teor alcoólico entre 6% a 11%”. Este tempo, acrescenta, pode ser mais longo, dependendo do tipo de hidromel pretendido. Depois da fermentação, o hidromel é filtrado para atingir a sua cor caraterística, passando também por um processo de pasteurização”.
À pasteurização segue-se o engarrafamento e a rotulagem, ficando o hidromel pronto a ir para o mercado. Ou, então, é guardado em cubas isobáricas, para ganhar gás, e posteriormente posto em barris para venda em bares e restaurantes ou ser fornecido a vendedores ambulantes que o comercializam em feiras.
Com loja online o Runas Hidromel pode ser adquirido na sua fórmula tradicional ou na variante de sabores, destacando Tiago “o hidromel frutos vermelhos, perfeito para a altura do Verão, ideal para cocktails; o hidromel de mirtilo, aproximado a um vinho, na sua acidez; hidromel de funcho, aquele de que se gosta, ou não se gosta mesmo e o hidromel de café, pensado como digestivo”.
A Runas Hidromel existe desde 2012, produzindo, atualmente, 10 mil litros de hidromel, na composição do qual entram quatro toneladas de mel. A empresa trabalha, sobretudo, com o mercado nacional, onde tem uma quota de 50 por cento. Os seus principais clientes estão nas feiras e restaurantes medievais.
O mel como produto turístico
Amarante está definitivamente na rota do mel. A dimensão atingida pela apicultura no concelho e o facto de a cidade integrar o Beepathnet, levou a Inside Experiences, um operador local de turismo, a criar duas rotas/passeios para proporcionar aos seus clientes a “experiência do mel”, juntando-a a “outras experiências extraordinárias, repletas de memórias inesquecíveis e momentos de pura harmonia com a natureza e a história”, que fazem já parte da sua oferta turística.
“Compartilhar essas memórias com outras pessoas permitir-nos-á reviver as tradições, a culinária e os marcos que definem e preservam a história Amarante, uma das cidades mais bonitas de Portugal”, consideram João Ribeiro e Liliana Pereira, responsáveis por aquela empresa, que afirmam ter decidido “adaptar algumas experiências para criar passeios relacionados com as abelhas e mel”.
Os tours que a Inside Experiences oferece são os seguintes: (1) um passeio de jipe na montanha (Marão), onde são visitados os locais mais antigos ligados à instalação de colmeias, sendo apresentada toda a história da criação de abelhas e produção de mel ao longo dos tempos, terminando o passeio com um piquenique onde são servidos produtos à base de mel; (2) o segundo consta da visita a um produtor local, fazendo o trabalho dele por um dia, o que inclui as rotinas de cuidar dos apiários e a própria extração de mel, sempre que tal seja possível. A degustação de produtos gastronómicos que integrem o mel na sua confeção faz também parte desta experiência.
Destino a não perder no norte de Portugal, o Município de Amarante tem, pois, no mel e na apicultura um dos atrativos de visita, que se junta ao património ambiental, arquitetónico e religioso, à sua cultura e tradições.